O poder de uma promessa

Querida Neta,

Você tem estado em minha mente desde que este navio deixou o porto de New York, e eu sei por quê. Você está exatamente na idade que eu tinha (dois meses para o seu vigésimo aniversário) quando o Vovô João e eu nos casamos, há 50 anos atrás. Mas, é o que aconteceu à bordo nesta manhã que me trouxe ao camarote para lhe escrever. Cada noite, Kerlin, o horário dos eventos do próximo dia é colocado debaixo da nossa porta. Palestras, concerto, aulas de dança, jogos – muitas escolhas para cada hora do dia. Bem cedinho, após  nosso chá, trazido ao camarote por um tripulante vestido de branco, vovô e eu damos uma olhada nas atividades. Hoje, uma nova atraiu nossa atenção:

11 horas

Renovação de votos conjugais

Rev. Robert Willing, no Iate Clube.

Parecia o ideal para a celebração de Bodas de Ouro. Então, um pouquinho antes das 11 horas, nos dirigimos para o local. Sete casais, todos nós já passados da meia-idade, nos sentamos no Iate Clube, enquanto um homem alto, de barba, com uma careca brilhante, esboçava a reunião. Haveria uma leitura bíblica – a passagem sobre o amor em Primeiro Coríntios. Depois os casais deveriam se entreolhar para dizer o SIM às promessas tradicionais. “Mas, primeiro”, o ministro disse: “eu  quero que nós pensemos um pouco na situação do casamento hoje. “Ao final do século XX”, ele continuou, “o conceito de matrimônio, como um laço, um compromisso entre duas pessoas para a vida toda, está posto em dúvida.” É claro, Kerlin, que o meu pensamento foi direto na conversa que você e eu tivemos no Natal. Eu estava lhe contando que nós escolhemos o navio Rainha Elizabeth II para esta viagem porque foi em um outro navio, o Rainha Elizabeth, em rota para a Europa, em 1947, que vovô e eu nos conhecemos. “Nós nos apaixonamos e nos casamos na Suíça, quatro meses depois”, eu lhe falei.

E você disse: “Eu poderei me apaixonar algum dia, vovó, mas eu nunca me casarei” .Eu entendi sua reação, Kerlin, por causa dos relacionamentos tão passageiros de hoje. Eu me lembro que você contou que, quando você era estudante, todos os seus colegas tinham duas festas de Natal – uma com a mãe e outra com o pai. Votos de casamento como os que nós repetimos hoje, promessa de permanecer juntos “até que a morte nos separe”, devem parecer ingênuos ou insinceros. Relacionamentos temporários, abertos, flexíveis parecem mais seguros e honestos. O Rev. Robert Willing desafiou os velhos casais a levarem uma mensagem aos jovens de hoje. Será que podemos, me perguntei? Pode a nossa experiência significar alguma coisa hoje em dia? Tanta coisa mudou! Em 1947 se viajava de navio porque essa era a maneira de se chegar à Europa. Você se casava porque esse era o jeito que as pessoas que se amavam podiam viver juntas. Hoje, viajar de navio é uma opção (tradicional e romântica), mas você pode chegar onde quiser mais rápido e mais barato de avião. Você pode conseguir tudo o que o casamento oferece mais rápido e mais barato também. Por que então se casar? O que faz o casamento diferente do que apenas conviver com alguém que é importante para nós? Muitos casamentos que presenciamos recentemente são de casais que já vivem juntos por alguns anos. Quando eles decidem se casar, alguma coisa muda? Eu creio que sim, e o que muda é justamente o conteúdo da promessa. Promessas assustam. Para cumpri-las, perdemos um pouco da nossa liberdade; para quebrá-las, perdemos um pouco da nossa integridade. Embora tenhamos que fazê-las hoje, promessas se referem ao amanhã, e a única coisa que nós sabemos sobre o amanhã é que nós certamente não sabemos nada! Lembra-se que eu falei que estávamos felizes porque iríamos sair de Nova Iorque à noite para vermos as luzes desaparecendo ao longe? Bem, quando nós partimos, a neblina estava tão densa que não podíamos ver nem a proa do navio. Nós não podíamos ver à frente nada mais do que os parceiros de um casamento podem ver. Como manter promessas, quando tudo o que se pode esperar é o inesperado?

No navio Rainha Elizabeth II há coisas que nós nem podíamos imaginar a bordo do antigo Rainha Elizabeth. TV em nosso camarote; telefones celulares; o jornal New York Times chegando por fax cada manhã; aulas de computação para terceira idade, onde você pode ouvir frases assim – “Meus netos dizem que é fácil!” Mudança é a regra da vida; não permanência.

E não somente o mundo exterior que muda de forma imprevisível; você também. Cada nova experiência (novas responsabilidades, novos contatos) muda sua perspectiva.

Há algo que torna a promessa entre duas pessoas mais arriscada ainda: Seu parceiro está sempre mudando também. Há muitos anos atrás, escrevi para minha avó – “Hoje no navio eu encontrei um jovem do Exército que está indo para a Universidade de Genebra, como eu também!” Este jovem, naturalmente, era o vovô João, e através dos anos tenho continuado a encontrá-lo. Idades diferentes, estágios diferentes – ele é sempre alguém novo. Hoje posso escrever à minha neta exatamente o que escrevi à minha avó – “Hoje no navio eu encontrei um homem!” Estou sempre encontrando com João, e ainda me surpreendendo com ele.

E, é claro, nem todas as surpresas no casamento são bem-vindas. Seu avô já escreveu sobre as dificuldades que enfrentou com o alcoolismo, de modo que você já sabe quão difícil aqueles tempos foram para nós. E estou certa de que ele nunca esperava ser enfermeiro, dono-de-casa, pai e mãe ao mesmo tempo, enquanto eu estive com depressão clínica. Através desses traumas, tremendo crescimento nos alcançou. E a razão disso está no poder de uma promessa. Na cerimônia desta manhã, o ministro comparou problemas no casamento com tempestades no mar, nossos votos com um navio que nos carrega, através delas. Até agora, neste navio nós estamos navegando tranqüilamente, mas eu me lembro de uma travessia no oceano, quando eu pensei nunca mais estar a  bordo de um navio outra vez.

Foi em 1950 e nós estávamos retornando aos EUA para o nascimento de nosso primeiro filho (seu pai!). Doente por causa da gravidez, num navio a sacudir, eu não conseguia manter nem um gole de água no estômago; meu único alívio durante seis longos dias foi a toalha úmida que o João colocava em meus lábios.

Mas o navio continuou a viagem, e aqui está a chave da questão. João

arranjou aquela toalha. Nosso casamento tem enfrentado muitas tempestades. Os atritos de duas pessoas com formação diferente. Crises financeiras. As tensões de ambos os pais trabalharem fora (antes disso se tornar comum). O poder de uma promessa é o que mantém os casais juntos, enquanto os tempos difíceis se transformam em cura, intimidade e amor profundo. Se nós iniciarmos e terminarmos vários relacionamentos, nós não ficamos juntos com alguém o tempo suficiente para que essas coisas aconteçam.

Como posso estar segura, Kerlin, de que elas vão acontecer? Há 50 anos atrás eu não estava tão certa disso! Nos doze primeiros anos eu não podia ver nada positivo nas tempestades. Se não fossem os votos, nós teríamos celebrado poucos aniversários de casamento! Então, uma coisa inesperada aconteceu!

Foi como nesta viagem em que partimos do Atlântico e agora estamos no Pacífico! Depois de navegar em direção ao sul por uma semana, o Rainha Elizabeth II entrou numa passagem estreita através das montanhas do Panamá, saiu do lado oposto do continente e dirigiu-se ao norte. Algo assim aconteceu em nosso casamento, Kerlin. Depois de doze anos lutando, sofrendo juntos em nossa própria força, nós mudamos de direção. Nosso Canal do Panamá foi uma violenta forma de câncer. Seu pai estava com oito anos de idade, os menores com cinco e dois, quando disseram que vovô João teria apenas seis meses para viver. Em nossa necessidade, nós atravessamos o caminho estreito – confessamos Jesus como Senhor de nossas vidas. Para isso acontecer, cortamos montanhas de objeções intelectuais e nos pusemos em outra direção.

Uma nova vida começou para nós. Não foi o fato de começarmos a escrever sobre o novo Reino no qual havíamos entrado. E certamente também, não foi a tempestade que cessou; as mais difíceis ainda estavam por vir. A nova direção não era tanto o que nós fizemos, mas o que nós compreendemos. Aqueles votos que nós críamos que mantínhamos pela “nossa própria força”, posso comparar conosco aqui sentados no camarote, sem pensarmos no casco de aço entre nós e o oceano, nas máquinas impulsionando o navio para a frente, no piloto na ponte de comando. Era como se nós acreditássemos que estávamos atravessando as águas profundas com nosso esforço próprio!

Em Deus estava a força daquelas promessas. Casamento é o plano d’Ele para o amor completo entre o homem e uma mulher, e quando nós fazemos estes votos, mesmo quando nós não O conhecemos, Ele se torna a terceira pessoa no contrato, confirmando nosso amor, entrelaçando nossas vidas, apontando a toalha úmida no beliche de um camarote.

Nós podemos resistir a esta graça de Deus, como você e eu bem sabemos de casamentos que fracassaram. Ele não vai nos forçar nem mesmo a nossa própria felicidade. Mas cada vez que nós fazemos uma promessa de acordo com a vontade d’Ele, os exércitos do céus celebram! “Você promete”, o reverendo perguntou-me nesta manhã, amar a João? Confortá-lo, honrá-lo e mantê-lo na doença e na saúde, e esquecer todos os outros para ser fiel a ele enquanto ambos viverem?” Eu estava chorando, como sempre se faz em casamentos, enquanto ouvia as perguntas. Chorando porque a resposta seria – “Impossível”! Como pode um ser humano fazer tais promessas, quando nós não sabemos o que o amanhã trará? Mas eu respondi SIM, porque eu sabia que eu estava falando na presença d’Aquele que tem o futuro em suas mãos.

Não tenha medo, Kerlin, se você se apaixonar algum dia, de assumir um compromisso para a vida toda. Vocês dois não estarão zarpando sozinhos!

Com o nosso amor,

Vovó.

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Por John e Elizabeth Sherril

Tradução: Míriam Santos

(Extraído do Guideposts. Agosto/1998)

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