Ciúmes – Há limites para ele?

As enormes mudanças sociais que, em nossos dias, repercutem na relação de casal apresentam novos desafios. No contexto social em que ambos os cônjuges precisam participar das demandas familiares, sejam relacionais, com filhos, ou de sustento financeiro, ter um sentido de vida que vá além do casamento passou a ser uma demanda pessoal que oxigena a própria vida bem como promove um funcionamento saudável nos casais. Faz-se necessário construir novos paradigmas relacionais, de encontros e espaços para o Eu, o Tu e o Nós.

Relacionar-se com outros seres humanos constitui um princípio fundamental para a existência humana. Essa necessidade se realiza nas relações múltiplas da vida, sejam entre amigos, pais e filhos, irmãos ou casais. Na intenção de atender essa necessidade, o indivíduo, consciente ou inconscientemente, em um processo que dura toda a vida, desenvolve um senso de identidade pessoal, ao mesmo tempo que continua a busca por sentir-se emocionalmente vinculado a outra pessoa.

Em termos de casal, uma necessidade é centrífuga, impulsionando a pessoa para fora da relação, e faz parte do importante processo psíquico da separação. A segunda, no entanto, é centrípeta, levando a pessoa de volta à relação, envolvida com o processo psíquico de buscar proximidade e intimidade. Na pessoa que funciona emocionalmente de forma saudável, ambas as necessidades estão balanceadas. Ela consegue relacionar-se com os outros, ficar íntima, sem perder o senso de si mesma ou ser absorvida pelo outro. Pode movimentar-se dentro da relação de casal e ser ela própria. Já na pessoa que tem dificuldade em funcionar emocionalmente saudável, existe uma situação em que se torna incerta quanto ao vínculo com o outro e se vê com um medo real de perder sua identidade ou o amor do outro.

Nesse contexto de relações internas e externas surge o ciúme, que amarra a relação de casal, gerando desconfianças e matando a parceria. O ciúme de um cônjuge torna-se tão possessivo, interferindo na liberdade pessoal, levando a pessoa a sentir-se amarrada e contida para construir sua individualidade.

O ciúme é certamente a emoção mais mal-entendida de todas as emoções humanas. Estreitamente relacionado ao amor, às vezes é considerado o “verdadeiro” teste do amor. A ausência de ciúme pode ser tão perturbadora quanto sua presença. E até mesmo o ciúme moderado pode assustar, ofender ou irritar a pessoa a quem é dirigido.

Ciúme é entendido como estrutura vincular na qual o terceiro ocupa um lugar de excluído, sendo que sua autonomia só é aceita em algumas circunstâncias em favor de um par que estabeleceu um vínculo dual indiscriminado, porém não de todo autossuficiente. Nesse contexto, o terceiro ou está necessariamente presente ou também é recriado imaginariamente, mas a cena é sempre representada para o outro.

O ciúme e a inveja são frequentemente confundidos. As pessoas invejosas querem sempre mais. Elas não apenas querem aquilo que as outras pessoas têm, mas querem que as outras pessoas não o tenham. Elas passam a vida sentindo-se privadas e, consequentemente, que merecem mais do que sua parte. Tais pessoas jamais podem ser amadas o suficiente. Não surpreendentemente, elas têm pouco amor para dar.

Será que a intensidade do ciúme é uma medida da “veracidade” do “amor”, como tantas pessoas pensam? O ciúme intenso, na ausência de desonestidade ou infidelidade real, pode indicar todo tipo de coisas, mas o maior está bem no final da lista: insegurança quanto ao pertencimento afetivo na relação conjugal. Enquanto a ausência de ciúme pode ser indicadora de laços frouxos no relacionamento, a presença de um ciúme intenso e alienante pode ser sintomática tanto de um relacionamento perturbado quanto de um indivíduo psicótico. É claro que, se o objeto do ciúme foi infiel ou desonesto a esse respeito, uma raiva ciumenta seria a resposta normal e natural, enquanto a aceitação calma implicaria em um afastamento do relacionamento.

A escolha do cônjuge, segundo Iara Camaratta, é realizada numa precisão computadorizada, de inconsciente para inconsciente, numa busca de complementaridade, a fim de favorecer a vivência do Eu – Tu e do Nós. Individualidade e vinculação afetiva.

Cada cônjuge traz para a relação genuína mutualidade com um senso de sua própria identidade significativa e positivamente valorizada, e a partir da experiência da participação conjunta, desenvolve o reconhecimento mútuo da identidade do outro, que inclui um reconhecimento cada vez maior das potencialidades e capacidades do outro. A mutualidade genuína não só tolera a divergência de interesses individuais, como também tira proveito complementando-se com as diferenças. Atua como estímulo aos projetos individuais que aquecem o projeto em comum de ser casal. A pseudomutualidade, do ponto de vista conjugal, limita o crescimento e priva a experiência matrimonial.

Sendo o casamento uma relação conjugal de intimidade de adultos, com proximidade e afastamento, o cônjuge emocionalmente defasado traz para o casamento uma relação de pseudomutualidade com características que destroem a relação. A pseudomutualidade conjugal se caracteriza por quatro aspectos:

1 – Uniformidade e monotonia da estrutura de papéis maritais.
2 – Insistência na desejabilidade e propriedade dessa estrutura.
3 – Intensa preocupação quanto à independência em relação a essa estrutura, e
4 – Ausência de espontaneidade, bom humor e alegria de viver próximos ou afastados.

Independentemente do que esteja incomodando o cônjuge desequilibrado, a principal reclamação sempre será a de que o outro com quem ela vive não a escolhe e sempre a deixa por qualquer outra coisa, visto que o ciúme provavelmente contém um elemento de dependência e medo de abandono. O outro se sente, em geral, confuso pelas queixas de “ciúme”; outras vezes, defende-se usando justificativas ou simplesmente se retira do local. Pessoas excessivamente ciumentas frequentemente se sentem desvalorizadas. Em períodos de fracasso ou perda, perdem o senso de segurança. Excessivamente dependentes, imaginam-se abandonadas por todos, principalmente pelo cônjuge, com quem compartilham uma relação instável e frágil. Algumas pessoas obtêm reasseguramento e um sentimento de serem amadas ao despertar o ciúme dos cônjuges.

Algumas pessoas são incapazes de tolerar até mesmo uma pontada de ciúme. Aqueles que pretendem realmente ser fiéis e desejam uma intensa intimidade podem perceber o ciúme do outro como uma evidência de desconfiança; consequentemente, ofensivo. A mensagem, ao sentir ciúme, é de que ainda não merecerem confiança suficiente, apesar de terem sido leais todo o tempo.

Por causa da complexidade e ambiguidade da vida contemporânea, os parceiros devem constantemente redefinir e tornar explícitas as suas ideias e expectativas em relação ao casamento, ao cônjuge e a si mesmos. A menos que haja clareza e coerência, podem ocorrer muitos mal-entendidos que se somam, produzindo frustração e conflito. Os casamentos em que o ciúme é mais intenso podem ser aqueles com o mais alto nível de possessividade e os mais baixos níveis de intimidade. Em um casamento assim, um dos cônjuges revela tão pouco sobre o que está acontecendo que o outro precisa estar constantemente espionando e testando, tentando se orientar em um relacionamento sem sinais de trânsito ou mapas claros quanto ao futuro do relacionamento conjugal.

Os critérios de avaliação dos homens sobre o que é satisfatório ou problemático em uma relação conjugal diferem sensivelmente dos das mulheres. Mas quanto ao ciúme, ambos se incomodam de igual modo. O que geralmente acontece é que em um casamento aparece mais um cônjuge ciumento do que o outro. Raramente temos o par ciumento. No típico modelo perseguidor-perseguido, é mais provável que um cônjuge seja aquele que mais exige proximidade e o outro aquele que impõe distância. Quanto mais um pede, mais o outro se retrai. Sob um ponto de vista diferente, quanto mais um dirige sua atenção a objetivos extrafamiliares, mais o outro procura envolver seu par. Normalmente, não entram em acordo sobre a expressão de valores, credibilidade e confiabilidade, e as necessidades emocionais não atendidas afloram em conflitos e desencontros.

Os casais saudáveis conseguem encontrar um equilíbrio entre proximidade e respeito ao distanciamento e às diferenças individuais. O vínculo afetivo no casamento possibilita um compromisso partilhado com a relação e sua continuidade, e uma expectativa de que cada um seja a coisa mais importante para o outro. É preservada uma fronteira em torno do casal para proteger a integridade e prevenir a intrusão e a ruptura do vínculo. É muito difícil manter a coesão e intimidade no casal quando os cônjuges têm compromissos de trabalho separados que interferem no tempo e na energia dedicados ao relacionamento.

O equilíbrio de poder entre marido e mulher é um tema fundamental na organização do sistema conjugal. Casais bem-sucedidos conseguem manter uma complementaridade diante das obrigações e, ao mesmo tempo, um senso de igualdade e de liderança partilhada. Ao contrário, as famílias disfuncionais são caracterizadas por um desequilíbrio de poder no casal: quanto maior é a posição de dominância e de autoridade de um sobre o outro, mais disfuncional e insatisfatório é o casamento. Um desequilíbrio persistente de poder na relação pode levar à insatisfação e a sintomas como o ciúme. O ciúme realmente doentio, de acordo com Freud, pode ter raízes tanto na projeção quanto na competição.

O sucesso ou o fracasso do casamento depende do funcionamento, ou não, das regras de colaboração que devem ser expressas por cada casal em consideração às inevitáveis diferenças e semelhanças entre os cônjuges. Em uma relação de casal, os dois indivíduos devem vivenciar a proximidade que produz cumplicidade, confiança, entrega, trocas e intimidade, bem como organizar a fronteira das individualidades com confiança e motivação.

Não se pode confundir simbiose com intimidade! A simbiose constitui uma espécie de mistura, de perda de fronteiras, como se um Eu e um Tu fossem praticamente a mesma coisa. Estar relativamente separado e manter certa distância é condição para que o Eu e o Tu se enxerguem, reconheçam-se e desenvolvam-se. Porém, o oposto é igualmente verdadeiro: que estejam juntos, apoiando-se, estimulando-se, compreendam-se, assumam-se e desenvolvam-se. O amor maduro, ao contrário da paixão, não tolera mistura, confusão de identidade, imposições.

O ciúme pode ser uma emoção normal, adequada e inclusive necessária. Ele é a consciência de uma distância e interferência em um relacionamento de compromisso. Todos nós o experienciamos. Ele se desenvolve quando sentimos que nosso cônjuge não está mais tão estreitamente conectado conosco como gostaríamos. Ele pode ser um sinal de que alguma coisa (ou alguém) interpôs-se entre nós e está afrouxando os laços. O ciúme é benéfico se ocorre em um relacionamento unido e provoca um comportamento que aproxima o casal. Se é expresso como raiva e tenta castigar, então não está funcionando do modo certo, isto é, para aproximação afetiva. Ele produzirá distância, em vez de proximidade.

A única resposta realmente satisfatória para o ciúme, seja ele normal ou doentio, é reafirmar os laços conjugais. Se os vínculos realmente estão sendo quebrados pela infidelidade, distância ou desonestidade, então o ciúme rapidamente se transformará em desespero, desesperança e raiva. A solução para o ciúme é a confiança, e a confiança não é um ato de fé e sim o estado de um relacionamento. Isso requer ambas as pessoas e tempo.

Por: Marizete Rodrigues Costa.

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