Ler é uma aprendizagem.
Quem não frequentou esta escola, passa longe dos jornais, revistas e livros, e reclama que tem muito papel espalhado pela casa e pela vida. Sua preocupação com as árvores não é ecológica, mas apenas lógica. A lógica da lei do menor esforço.
Meu pai já dizia – quando esbarrava com alguém tomado pela preguiça – “Este aí só quer sombra, água fresca e jornal sem letra…” Claro; para não cansar as vistas! A leitura, como aprendizagem, começa cedo e se estende por toda uma vida; não cessando nunca, nem com a morte. Ler é uma questão de dedicação ao fato. Aprende a ler, quem lê. E lê bem, quem lê muito. E aprende a falar e a escrever, quem investiu parte da vida na leitura.
O leitor medieval não frequentava escolas, porque escassas eram, mas lia. E lendo, muita gente se fez inteligente. O autodidata tem esta vocação para a leitura, que o torna um ser em transição para aquilo que o novo livro lido fará dele após o tempo gasto em seu exame.
Por isso alguém já disse: “Somos o que lemos!” Mas como incentivar as novas gerações a amarem a leitura? Como legar aos que nos sucederão na trajetória da vida o gosto pela leitura e, consequentemente, pela escrita?
Esse é o desafio que pais e educadores enfrentam, mormente nos dias de hoje, quando a televisão, a “máquina de fazer doido”, se constitui num instrumento de emburrecimento precoce de nossa infância, impondo com sua programação inócua e bizarra – onde a falta de criatividade e a mesmice preenchem as manhãs, tardes e noites de nossa gente -, certa nivelação, por baixo, de nossa inteligência.
Aprendendo a gostar de ler pelo exemplo. Ninguém nasce gostando de ler, como ninguém nasce gostando de tomar banho, principalmente no inverno. Somos educados para certos hábitos e nos identificamos com certas necessidades que vamos descobrindo ao longo da nossa existência. As famílias precisam investir na leitura, incentivando seus filhos a lerem o máximo que puderem. Numa casa onde se encontra de tudo, menos alguns exemplares de livros, crianças não encontrarão o ambiente necessário para uma boa formação intelectual.
O governo tem criado programas de incentivo à leitura, e até mesmo forjado pacotes literários como se fora uma cesta básica literária para colocar nas mãos das crianças em idade escolar da rede pública. Tais incentivos esbarram na falta de exemplo dentro do lar. Com certeza, a escassez de livros numa casa será recompensada pela qualidade do interesse de pais que demonstrem gosto pela leitura, e o pouco que tem para ler, o fazem com sofreguidão.
Se crianças esbarram com pais que, volta e meia, estão com livros na mão, compulsando-os avidamente, terão seu interesse despertado para saber o que há de tão cativante em tais livros que prendem tanto a atenção de seus pais. (Não resta dúvida que, neste caso, temos um compromisso sério com a qualidade do que lemos.) Além do mais, desde cedo, pode-se forjar leitores, ao presenteá-los com livros em datas específicas do calendário social: aniversário, dia das crianças, Natal e outros.
No lugar de certas quinquilharias que perdem o seu valor rapidamente, o livro como presente, constitui-se um bem durável, que se eterniza na memória do leitor, mas também se materializa na estante de seu proprietário, podendo constituir-se em bênção para tantos quantos a ele tenham acesso.
O exemplo de casa é, portanto, o principal incentivo para que, na tenra infância a criança já comece a ter interesse pela leitura. Investimento que se faça também em leituras coletivas de livros, interpretação de textos e serões semanais para se contar “historinhas para as crianças” serão de grande valia na formação do background literário de um ser. Para tanto, não há melhor instrumento de aprendizagem da leitura do que o “culto doméstico”.
Neste espaço sagrado da devoção familiar, as crianças aprendem a gostar da leitura da forma mais edificante. A leitura da Bíblia é a porta que abre o caminho dos céus. E me refiro não só aos céus teológicos, mas aos literários, que podem fazer uma criança viajar nas asas da imaginação com as histórias bíblicas de José, Josué, Abraão, Jacó, Daniel e outros personagens bíblicos.
Aspectos práticos de incentivo à leitura Além das ideias que foram esboçadas nestas primeiras linhas, gostaria de destacar algumas ações práticas que podem ser tomadas no seio da família para despertar o interesse pela leitura em seus membros. Apenas para síntese, concluímos que pelo menos três ações são elementares na formação de novos leitores:
1ª) Dar o exemplo para os mais jovens, sendo um bom consumidor de livros;
2ª) Promover oportunidades de leitura sadia no ambiente familiar, com troca de experiências e informações;
3ª) Presentear os entes queridos com exemplares de livros que possam contribuir para a sua formação moral e intelectual. A construção de uma boa biblioteca familiar também será um tremendo incentivo à leitura no ambiente da casa.
Crianças que aprendem a conviver com os livros desde cedo aprendem a amá-los e reverenciá-los como fonte de cultura e saber. Existe uma relação emblemática entre livro e leitor de modo que o ato de manuseá-lo constitui-se também em experiência táctil, afetiva, espiritual. Na vida de cada ser existe o livro que gera a sua paixão pela leitura. É o livro gerador do leitor.
É o livro que se faz pai, ao conceber ideias e sonhos na mente do leitor que está se descobrindo para o mundo das páginas literárias. Na minha vida, este livro foi “A Irresistível Inimiga”. Um livro de ação, ambientado em castelos franceses da época renascentista e que me prendeu do início ao fim. Era júnior ainda, quando o li, embora fosse um calhamaço enorme. Tenho-o guardado em alguma caixa de recordações…
Com o passar do tempo, outros livros e autores foram se aproximando e me conquistando. É interessante destacar também a relação que o leitor passa a ter com certos autores. Dostoievsky, Tolstói, Machado de Assis, José de Alencar, Cecília Meireles, Maiakóvsky, Wittiman, Manuel Bandeira, Jorge Luiz Borges, Gabriel García Márquez, Henry Thoreau, Marcel Proust, Hemingway, Mark Twain, Emily Brontë, dentre outros, foram ficando em minha vida na medida em que me iam sendo apresentados pelos seus escritos.
Além disso, cada ser deve ter o seu livro essencial. Ou seja, aquele livro que representa suas ideias, sua formação, seus sonhos e ideais. Para o cristão, a essencialidade deve ser encontrada na Bíblia, livro de cabeceira de quem quer que se pretenda sábio.
Outros livros poderão ter espaço vital em nossa vida. Como livros se produzem às toneladas, é fundamental que se saiba escolher o que ler. Ser seletivo na escolha do que ler é o mínimo que se requer de um leitor moderno, para que não se veja metido a ler o que pouco vá acrescentar aos seus interesses espirituais e intelectuais.
À guisa de ilustração pessoal sempre gostei de ler. Não sei exatamente “como” e “quando” isto começou, mas devo, com certeza, aos meus pais (ele, pastor; ela, professora) este bom hábito.
Costumo dizer que “sou um amante das palavras, embora não tenha tanta certeza se elas são assim tão apaixonadas por mim”.
Quem escreveu: Josué Ebenézer de Souza Soares.”
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Perguntas de Reflexão a Partir do Texto:
1 – Em uma era dominada pela tecnologia e pela cultura visual, como podemos resgatar o valor da leitura e incentivar as novas gerações a desenvolverem um relacionamento profundo com os livros, considerando a afirmação do autor de que “somos o que lemos”?
2 – O texto afirma que “o exemplo de casa é o principal incentivo” para o desenvolvimento do hábito da leitura. De que maneira sua própria experiência pessoal confirma ou contradiz esta ideia, e quais foram as influências determinantes na sua relação com a leitura ao longo da vida?
3 – O autor menciona a existência de um “livro gerador do leitor” – aquele que desperta a paixão pela leitura. Qual foi (ou seria) esse livro em sua vida, e como ele transformou sua visão de mundo e sua compreensão sobre o poder transformador da palavra escrita?