As queixas que os casais têm apresentado referentes à falta de harmonia sexual têm abrangido várias situações que vão desde a ausência ou baixo desejo sexual por parte de um dos cônjuges, até as situações mais críticas que resultam no abuso sexual, sendo este o tema que será abordado neste artigo, delimitando-o à esfera do casamento heterossexual, buscando-se compreender os aspectos atinentes a sua incidência e com isso utilizar meios de intervir e evitar que esse tipo de violência tenha origem ou se perpetue no relacionamento do casal.
O abuso sexual está presente no casamento quando um dos cônjuges, por meio da dominação, obriga o outro a prática de relação sexual não desejada ou de atividades sexuais que podem ser perigosas para a saúde ou degradantes, abrangendo assim um amplo espectro que pode chegar ao estupro conjugal.
No capítulo 7 do livro aos Coríntios, o apóstolo Paulo apresenta uma série de orientações a respeito do casamento, tendo enfatizado as questões relacionadas à prática da sexualidade, provavelmente devido às dificuldades que estavam ocorrendo no contexto daquela comunidade cristã.
Paulo ressalta no versículo 4 o seguinte: “A mulher não tem poder sobre o seu corpo, mas sim o marido; igualmente não tem o marido poder sobre o próprio corpo, mas sim a mulher” (I Coríntios 7:4).
Uma interpretação equivocada desse versículo tem servido de base para que alguns maridos cristãos utilizem o “poder” sobre o corpo de sua esposa, a fim de lhe exigir a satisfação de seus desejos sexuais, obrigando-as, por meio da força física ou de palavras intimidadoras a terem relações sexuais e/ou a aceitarem certas práticas as quais são por elas consideradas degradantes e humilhantes, tais quais, sexo oral, sexo anal, utilização de objetos e fetiches diversos, não proporcionando ao cônjuge mulher o prazer desejado em uma relação sexual, pelo contrário, trazendo-lhe constrangimento e um profundo sofrimento físico e psicológico.
Destacamos o abuso sexual contra a esposa, pois essa violência por parte da mulher em relação ao marido são episódios raros de serem percebidos, pois dificilmente o homem conseguiria ter uma ereção quando forçado a manter uma relação sexual, havendo ainda o fato de normalmente prevalecer em relação à mulher devido a sua força física. Não descartamos, porém, a possibilidade da mulher se utilizar de artifícios diversos para constrangê-lo a realizar práticas sexuais contrárias à sua vontade.
Existe ainda um forte fator cultural que além de dar esse suposto “poder” ao homem sobre o corpo da mulher, submete ainda a mulher à obrigatoriedade conjugal em satisfazer o seu marido. A vergonha e o medo de expor essa situação também colaboram para que esse ciclo de violência se perpetue, pois, pelo fato de ainda existir em nossa sociedade a deturpada visão de que os problemas familiares são privados do casal, a mulher não tem confiança de que poderá encontrar alguém que, além de entender a violência que vem sofrendo, terá capacidade de ajudá-la, sem qualquer tipo de acusação.
Expressões como: “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” ou “não se preocupe, isso vai passar. Ruim com ele, pior sem ele.”, não só reforçam a naturalidade desse tipo de violência, como também fortalece a permissão cultural do papel do homem nos atos violentos contra a mulher, fazendo ainda com que a mulher, mesmo sendo vítima, por vezes assuma a culpa pelo que vem acontecendo, trazendo sobre si a responsabilidade pelos atos que o esposo vem cometendo, ao pensar que a atitude do marido é consequência dela não estar desempenhando bem o seu papel sexual como esposa.
Esse tipo de violência é imperceptível para as pessoas que estão próximas da vítima e esta somente poderá ser ajudada se tiver a oportunidade de verbalizar essa situação para alguém que possa acreditar e compreender o que está acontecendo, pois normalmente o marido agressor tem um comportamento social aceitável e exemplar no convívio com os familiares e amigos, tornando-se difícil imaginar que ele possa ser capaz de praticar tal ato de violência contra a sua esposa.
Diante de tal situação, as igrejas que têm aberto seus espaços para diversas programações direcionadas ao fortalecimento dos casais e famílias necessitam enfatizar em suas palestras a ocorrência do abuso sexual e outros tipos de violência, inclusive no meio cristão e disponibilizar conselheiros e profissionais que estejam preparados para ajudar casais que estejam vivenciando essa situação, desempenhando assim a sua função como corpo de Cristo que é de ser um referencial de vida para àqueles que necessitam.
Por fim, é necessário que haja um maior investimento na prevenção de qualquer tipo de violência, na preparação dos casais antes e durante o casamento, ajudando-os a lidarem com os conflitos que hão de surgir, em cada etapa do ciclo de vida conjugal, possibilitando que eles possam desfrutar da sua vida a dois com alegria e prazer, em especial no diz respeito a todas as nuances da sexualidade, essa benção que foi concedida a nós seres humanos para gozá-la “literalmente” no convívio do casamento com o nosso cônjuge.
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Por: Marcelo Lopes