Confissões de um péssimo pai

Ainda me lembro da primeira vez em que suspeitei de que, ao contrário das minhas primeiras suposições, eu poderia ser um péssimo pai. Quando a nossa filha mais velha tinha dois anos, eu estava cortando as suas unhas e acabei ferindo seu dedo mindinho. Quando vi o sangue escorrer da pontinha do seu dedo, corri desesperadamente com ela até o banheiro e pedi-lhe mil desculpas enquanto enfaixava o pequeno corte uma quantidade enorme de curativos. Ela respondeu aos meus pedidos de desculpas com um olhar confuso. Para falar a verdade, acho que sequer percebeu que havia algo de errado.

Quando era mais jovem, eu imaginava que seria um pai exemplar, basicamente porque eu adorava segurar bebês fofinhos na igreja e porque tinha trabalhado como pastor da mocidade durante três anos. Portanto, eu estava preparado! Então, minha esposa e eu tivemos a nossa primeira filha e se tornou claro para mim que eu era tudo, menos um pai exemplar. Desde o acidente do mindinho, passei a ter dúvidas a respeito das minhas habilidades como pai em várias ocasiões. Houve muitas vezes em que eu trocava a atenção que deveria dar aos meus quatro filhos por coisas profundamente desimportantes, como checar o status do meu Facebook pela décima vez; ou não entendi que, ao invés de repreendê-los para que se comportassem, deveria verificar se não havia algo os incomodando – e, na maioria das vezes, era justamente este o caso.

O que mais revelador da minha incompetência como pai era que eu tratava meus filhos como pequenos adultos, e não como crianças que ainda estavam aprendendo – e, toda vez que agia dessa maneira, eu me convencia mais ainda de que era, de fato, um péssimo pai. Até hoje, acho que essa avaliação não está equivocada; o que estava errado era o fato de eu, por muito tempo, achar que deveria continuar assim.

Estereótipo

Eu sempre tive a opinião de que os melhores pais, simplesmente, nasceram assim. Fosse devido a alguma função genética, à criação que receberam ou uma combinação dos dois, a paternidade era uma habilidade que um homem deveria possuir desde o início, ou então, não seria capaz de desenvolver. Se um homem não tivesse aquele dom, não havia esperança de um crescimento considerável: apenas, no máximo, uma adaptação marginal. Eu me sentia assim por diversos motivos. Em primeiro lugar, porque nós vamos descobrindo, com o passar do tempo, que muitos aspetos de nossas vidas são ditados pela genética: nossas características físicas, nossas predisposições para determinadas doenças e até mesmo elementos das nossas personalidades. Não é difícil de imaginar que, em se tratando de habilidades da paternidade, não seria diferente.

Em segundo lugar, quando se trata de carreira – o que, para os homens, muitas vezes é considerada a característica central da personalidade –, há uma forte ênfase na aptidão: nós devemos buscar atividades nas quais possuímos habilidades intrínsecas. Não é de se admirar, portanto, que os homens apliquem essa mentalidade em seus papéis de pais, também. Essa crença foi reforçada mais tarde, sempre que eu observava um pai em ação no parquinho ou no corredor da escola. Eu via esses homens se comunicando com seus filhos, mantendo suas emoções sob controle e seus celulares guardados, inabaláveis diante das maiores pirraças das crianças, e imaginava que, provavelmente, haviam nascido com algo que eu não tinha.

Eu cresci assistindo seriados como Os Simpsons, cujo protagonista, Homer, é um pai desastrado e preguiçoso, quase sempre indiferente às necessidades de sua família. Ele normalizou, por assim dizer, a paternidade medíocre para mim, criando a impressão de que esses tipos de pais eram, por sua própria natureza, irrevogavelmente incompetentes. Portanto, não apenas havia pouca possibilidade de melhora como pai, mas havia pouca necessidade disso, porque não se esperava de um pai nada além do que ficar sentado no sofá o dia inteiro com uma cerveja em uma mão e o controle remoto na outra.

Esses pensamentos minaram todas as minhas inclinações de crescer como pai. Toda falha servia apenas como prova incontestável de que eu simplesmente não havia nascido para ser um bom pai – e havia mais do que apenas algumas falhas. O meu consumo diário de estereótipos apenas diminuía a minha motivação. E então, eu me conformei com meu destino: que eu sempre seria, na melhor das hipóteses, um pai medíocre. Se eu não havia nascido um pai perfeito, de que adiantava tentar?

Porém, uma pergunta que podemos fazer a nós mesmos nesse momento é: “Jesus nasceu o Salvador perfeito?” O texto de Hebreus 2.10 afirma que o próprio Cristo, o pioneiro da salvação, foi aperfeiçoado através do que ele sofreu. Tal afirmação pode gerar surpresa porque parece sugerir que Jesus era, de alguma maneira, imperfeito. No entanto, não é isso que essa passagem sugere. A palavra usada, no original, não se refere à perfeição moral, o que o autor deixa claro no quarto capítulo, afirmando que, apesar de Jesus ter sido tentado de todas as maneiras, ele nunca pecou. O que significa, então, dizer que Jesus foi aperfeiçoado? E o que isso pode significar em relação ao nosso papel como pais?

Papéis fortalecidos

Quando ouvimos a palavra “perfeito”, pensamos em sua forma adjetiva, ou seja, algo que é sem defeitos. Mas a palavra usada para nessa passagem de Hebreus é o verbo grego teleioo, que carrega o significado de tornar algo completo e finalizado. Quando compreendido dessa maneira, o que esse versículo indica não é que Jesus era moralmente incompleto, mas sim, que o seu ministério conosco foi feito mais completo, ou aperfeiçoado, com o tempo e através de suas experiências.

Considerem-se, por um momento, os acontecimentos da vida de Jesus. Ele viveu durante anos como criança na casa de José e Maria, algo com o qual podemos nos identificar. Depois, foi para o deserto enfrentar seu inimigo e sofreu tentações com as mesmas coisas com as quais nós somos tentados – glória, riqueza e conforto –, mas resistiu e venceu. Ele também lamentou pelos seus amados que sofriam rejeição e traição, assim como nós fazemos. E, depois, Jesus enfrentou o maior ícone da fraqueza e da separação humana do Pai: a própria morte.

O resultado de todas essas experiências mostra que Jesus não é apenas um Salvador espiritual que restaura a nossa relação com nosso Pai celestial, por mais incrível que essa conquista da cruz tenha sido. Ele também é nosso amigo que nos entende; nosso encorajador que se identifica conosco; e nosso advogado, que está sempre do nosso lado. Todos esses papéis foram desenvolvidos e fortalecidos ao longo do curso da vida humana de Jesus. Isso nos ajuda a entender mais claramente a Cristo e a reconhecer a plenitude do seu ministério para nós. Mas, também, serve para nos lembrar sobre a nossa própria santificação e crescimento: Se o ministério de Jesus para nós foi aperfeiçoado através do tempo e da experiência, então deve haver possibilidade de todas as pessoas crescerem e amadurecerem da mesma maneira – inclusive, os pais, em sua relação com seus filhos.

Esta era uma verdade que eu aprendi em primeira mão. Com apenas sete anos de casamento, minha esposa, Carol, foi diagnosticada com câncer de mama triplo negativo. Trata-se de uma forma bastante agressiva da doença, que não responde bem aos tratamentos modernos. Ela precisava fazer uma mastectomia, seguida de fisioterapia, dez meses de quimioterapia e radioterapia. Quando descobrimos que seria assim, eu me desesperei, principalmente por causa dos nossos filhos. Era a minha mulher que ficava em casa com as crianças e cuidava de suas necessidades diárias. Como ela estaria sobrecarregada com os tratamentos, essas tarefas caberiam a mim. Estremeci ao imaginar como seria o próximo ano, não só para a minha mulher, mas para as crianças, também.

Para minha surpresa, e ao contrário do que eu sempre acreditei, eu comecei a crescer e amadurecer como pai. Durante essa época da luta de Carol contra o câncer, eu aprendi a lavar a roupa, fazer comida, limpar a cozinha e preparar a cama. Aprendi, em suma, a ser mais competente em casa, e minhas atitudes também melhoraram. Passei a valorizar meus filhos como nunca havia feito antes. Eles eram lindos e preciosos, e essa beleza e esse valor exigiam que eu os tratasse com respeito e graça, e não com impaciência e irritação, como fazia antes. Naqueles nove meses, passei de péssimo pai para bom pai – ou, pelo menos, um pai melhor.

Forjado e refinado

Muito frequentemente, nós, homens ficamos indevidamente obcecados com o fato de não sermos os pais que queremos ser, o que pode muito bem ser verdade. E, por não termos essas habilidades e características inatas, nós nos desesperamos e nos conformamos com a mediocridade. Porém, a verdade é que não se nasce um bom pai. Um bom pai é forjado e refinado através de circunstâncias difíceis. Os melhores pais aprenderam a ser os pais de que suas famílias precisavam e que Deus os chamou para ser; e, por causa disso, embora um homem possa muito bem ter nascido um péssimo pai, ainda existe esperança de que ele se torne um pai melhor com o passar do tempo.

Tudo bem eu não ser um pai perfeito, porque a perfeição pertence somente a Deus. O objetivo da paternidade não é que nós não cometamos nenhum erro novamente; mas, ao contrário, que nós possamos crescer e amadurecer. O nosso ministério com nossos filhos é que nos tornemos mais completos através de cada fase e experiência. E, no fim, nossos filhos olharão para nós e serão encorajados a saber que eles também podem amadurecer e cumprir qualquer papel que Deus tenha para suas vidas, por mais difícil que pareça.

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Por: Peter Chim

(Tradução: Julia Ramalho)

Fonte: Cristianismo Hoje

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