No contexto da sociedade em que vivemos, onde os desafios são cada vez maiores, torna-se difícil falar em famílias saudáveis. Quando atendo um paciente no consultório, costumo fazer-me a seguinte pergunta: “O que este sintoma denuncia em seu sistema familiar?” Muitas vezes, o membro mais sensível é o que capta o mau funcionamento do sistema e traz a demanda ao consultório. Para tratar o paciente, é necessário, por vezes, tratar a família, que pode estar mantendo o sintoma. Um exemplo disso é quando começamos a tratar o paciente e o tratamento é interrompido pela própria família, porque há mais ganhos em manter esse sintoma do que resolvê-lo. Para o terapeuta de família, o processo envolverá mudanças dessas transações disfuncionais.
Existem famílias que têm regras de funcionamento muito rígidas, onde nada pode, tudo é controlado. Neste tipo de sistema familiar, os membros não conseguem se relacionar de forma espontânea e saudável, expressando livremente sentimentos e ideias; o diálogo é tolhido, criando verdadeiras separações silenciosas entre os cônjuges, filhos e irmãos. Há famílias que partem para outro extremo: tudo pode, não existem regras nem limites. Isto gera insegurança, e muitas vezes a rebeldia é um pedido do limite que a criança ou o adolescente não recebe dos pais. Qual seria, então, a maneira mais saudável de transitar pelo sistema familiar?
Eu diria que o equilíbrio e a flexibilização são o caminho.
A flexibilização refere-se à habilidade da família em modificar sua estrutura, suas regras e relações em resposta a algum tipo de necessidade ou estímulo ao qual é exposta em diferentes situações (Minuchin, 1982; Rios-Gonzalez, 2003). Esta flexibilização permite à família transitar pelas mudanças próprias de cada etapa do ciclo vital de forma funcional.
Isto significa que a cada fase do ciclo vital, a família se modifica. Quando nasce ou falece alguém, quando os filhos vão crescendo e vivenciando cada fase do desenvolvimento psicológico, a família vai se modificando e se adaptando às necessidades que vão surgindo. Quando esta flexibilização não ocorre, muitas vezes os pais continuam tratando o filho de 18 anos como se fosse a criança de 7.
Içami Tiba menciona em um de seus livros, “O Executivo(a) e sua família”, que amor só não basta; é preciso que os pais se preparem para ser pais. Quanto mais saudáveis forem na integração relacional, maiores chances terão de conviver numa família realizada, com filhos felizes.
Solange Rosset, psicóloga e escritora, coloca que, para uma família se manter viva, saudável e em funcionamento, precisa contar com objetivos em comum, que lhe apontem o norte, contribuindo ativamente para seu equilíbrio e coesão.
Existem alguns indicativos de funcionalidade familiar. Eles não são lineares, nem servem para todos e em todos os momentos, mas ajudam os pais que querem ter uma ação eficiente na formação de filhos úteis e saudáveis.
Uma família funcional precisa treinar os aspectos a seguir:
- Solidariedade
É quando a família tem a capacidade de dar apoio aos seus membros nas horas de alegria, de dificuldades, de frustrações, de perdas e erros. Hoje em dia, vivemos num mundo reduzido aos nossos próprios interesses; falta muitas vezes o olhar empático, que precisa ser desenvolvido a princípio em família. Se nossos filhos aprenderem com nosso exemplo, exercerão cidadania. - Pertencimento
Os membros da família têm certeza de que fazem parte de uma família: ela é única, tem características próprias, aspectos positivos e negativos específicos, mas é a sua família; é para onde se pode voltar a qualquer momento; é o que dá definição de muitas das suas características pessoais. Para isto, é preciso praticar a linguagem do amor, do acolhimento, da sensibilidade, características que nos fazem sentir em casa. - Crescimento e libertação
O movimento familiar qualifica e estimula a diferenciação e a independência de seus membros, possibilitando experiências individuais que abrem espaço para novas aprendizagens e novos movimentos, facilitando as mudanças individuais. Percebemos muitas vezes no consultório pais superprotetores, inseguros nas decisões, cerceando a autonomia do filho (Superproteção também é abandono), na medida em que não estimulamos o filho à independência, os abandonamos ao medo, à insegurança e à incapacidade. - Tarefas do ciclo vital
As famílias desempenham tarefas e funções pertinentes a cada ciclo de desenvolvimento familiar, as quais são diferentes e necessárias quando se tem criança pequena, adolescentes ou adultos, por exemplo. A cooperação entre esposo e esposa, filhos e pais permite desenvolver senso de responsabilidade e cuidado uns para com os outros. - Circularidade e comunicação
As famílias não têm assuntos ou situações tabus, não retêm as informações sobre fatos, desejos ou sentimentos; nelas, tarefas, funções, direitos e deveres circulam entre as pessoas de acordo com o momento e a necessidade. Promover a abertura ao diálogo e proporcionar um ambiente onde qualquer assunto possa ser falado sem autoritarismos inibidores possibilitam ao sistema respirar com tranquilidade, e muitos dos problemas são resolvidos e esclarecidos, sem que possam trazer futuramente doenças emocionais por não poder falar ou não expressar os sentimentos. - Regras e normas
Nas famílias, existem regras de funcionamento, fluxos e rotinas, e esses mecanismos são explícitos, negociados na medida do possível, flexíveis para se adaptarem ao momento, à fase em que a família está e às necessidades. Vivemos uma crise de limite. A mídia a cada dia traz informações quanto à falta dele. É preciso que as famílias não tenham medo de dizer não ou sim. Pior do que dizer sim ou não é não dizer nada, não se posicionar, não ter embasamento, valores e princípios claramente definidos. A crise nesta área traz para os consultórios transtornos de conduta, transtorno opositor desafiador e outros tantos. - Hierarquia
As famílias explicitam e desenvolvem as questões hierárquicas, sem rigidez, mas de acordo com funções e necessidades. Tanto quanto a falta de limite, a falta de autoridade dos pais causa nos filhos uma crise de identidade, de organização. Autoridade se exercita com coerência; é impossível conseguir a obediência de um filho com palavras e atitudes incoerentes. Autoridade não significa gritar ou usar de força física; não há relatos na Bíblia de que Jesus tenha gritado para usar de autoridade, mas ele disse: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração…” Aprendei de mim implica em aprender pelo exemplo, pelo modelo; em seguida, Jesus traz aspectos de sua personalidade: mansidão e humildade. Quantos pais não querem ouvir os seus filhos… não têm a humildade de reconhecer o erro e pedir perdão. O equilíbrio é o segredo. Não podemos educar com rédeas soltas, mas também não podemos sufocar com controles desmedidos. A sabedoria e o bom senso devem nortear nossas atitudes. - Amor
A base do afeto é a família. Na família é que aprendemos as primeiras lições de amor. Se existe liberdade de expressá-lo, seja em gestos ou palavras, temos condições de nutrir o outro de carinho e somos alimentados em casa todos os dias por ele. Com isto, faremos diferença no ambiente em que estivermos: trabalho, escola, igreja, etc., sendo mais tolerantes uns com os outros, convivendo melhor com regras, regulamentos, autoridades, etc. - Espiritualidade
A família precisa cultivar valores espirituais. A família precisa ter princípios cristãos bem fundamentados. Eles nortearão o caráter e a personalidade de seus membros. É preciso cultivar o ensino da Palavra e as experiências de uma vida de comunhão com Deus.
Concluindo, eu diria que sobreviverão às crises as famílias que de alguma maneira atentarem para estas bases e princípios comentados, e que não se eximirem de pedir ajuda profissional quando estiver difícil suportar as tensões próprias de cada sistema familiar. Pelo simples fato de não quererem a manutenção do sintoma, e de fazerem dele o caminho para tratar, dando o primeiro passo para a restauração.
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Por: Claudia Maria de Souza Silva